A Invenção de Hugo Cabret

Asa Butterfield em A Invenção de Hugo Cabret: reinvenção da carreira do diretor Martin Scorsese.
Apesar dos irmãos Auguste e Louis Lumière terem criado o cinematógrafo, Georges Méliès foi quem deu forma ao cinema como conhecemos hoje. Ilusionista francês, Méliès se encantou com o potencial da nova invenção e foi pioneiro ao utilizá-la em prol de narrativas fantásticas. Conhecido como o pioneiro dos efeitos especiais, Méliès deu forma e sentido ao novo invento, que na mão de seus criadores era visto como uma atividade de pouco futuro. Méliès criou o primeiro estúdio cinematográfico da Europa e foi o primeiro profissional a utilizar storyboards para realizar suas obras, contabilizadas em mai de 500 filmes. Resgatando a memória de Méliès, o escritor de romances fantásticos infantis Brian Selznick publicou A Invenção de Hugo Cabret. Um conto que traz a história de um garoto órfão que vive em uma estação de trem de Paris. A única lembrança que restou a Hugo de seu falecido pai foi um autômato, um boneco mecânico. Para Cabret, ele guarda uma mensagem deixada por seu pai, algo que o confortaria em sua solidão. O caminho que leva Hugo a George Méliès logo é delineado pelo autor e ficamos diante de um maravilhoso conto sobre a importância de cada um de nós nesse mundo.

A adaptação de A Invenção de Hugo Cabret para os cinemas ficou por conta de Martin Scorsese, lenda do cinema e um dos responsáveis pela remodelação do cinema norte-americano com histórias protagonizadas por imigrantes no submundo violento das grandes cidades do país. São de Scorsese Taxi Driver, Touro Indomável, Caminhos PerigososOs Bons Companheiros e Os Infiltrados. O cineasta já se dedicou a outros gêneros como biografias (O Aviador), romances de época (A Época da Inocência) e thrillers psicológicos (Ilha do Medo), mas nenhuma dessas rupturas na carreira do diretor foram tão abruptas quanto A Invenção de Hugo Cabret, um conto infantil que no fundo é uma grande reverência à sétima arte. E não há diretor melhor para prestar esta reverência que Martin Scorsese.

Estudioso de seu próprio ofício, Scorsese já havia exercitado a metalinguagem em seu trabalho anterior, o subestimado Ilha do Medo. No entanto, enquanto Ilha do Medo pode ser considerad como um trabalho acadêmico do diretor sobre o cinema, A Invenção de Hugo Cabret é sua declaração apaixonada de um cineasta a sua própria arte, uma espécie de agradecimento do próprio Scorsese àquilo que dá significado a sua existência neste mundo, algo que é abordado com muita sensibilidade em uma dos diálogos mais bonitos do filme, protagonizado por Hugo e sua amiga Isabelle. Scorsese também assume o ineditismo de utilizar a tecnologia em 3D pela primeira vez em um longa metragem que assina (sabiamente não se trata de uma daquelas conversões improvisadas que vulgarizaram por completo a técnica). Assim, vemos o resgate dos primórdios do cinema com George Méliès com os recursos dos novos tempos, a tecnologia popularizada por James Cameron. O resultado é magnífico, a melhor utilização da tecnologia desde Avatar e Up - Altas Aventuras. Melhor não porque consegue arremessar objetos aos olhos do espectador mas por saber utilizar todas as possibilidades da tecnologia a favor do apuro técnico e artístico do filme e de sua narrativa.

Artisticamente, o filme também é um primor. Scorsese não abriu mão do trabalho de velhos colaboradores como Dante Ferretti (direção de arte), Robert Richardson (fotografia), Howard Shore (trilha sonora) e Sandy Powell (figurino). Trabalhos irretocáveis que ao mesmo tempo que não se sobrepõem à história, conseguem criar uma estética harmônica e emotiva ao longa. Com todo este apuro estético, Scorsese não transforma A Invenção de Hugo Cabret em uma alegoria fria, fetichista e vazia de pulsação (recado para Tim Burton e seus últimos trabalhos). O cineasta consegue trazer para o filme ternura e respeito à obra original, um olhar ainda mais abrangente para sua história e seus persongens que o prórprio livro. Digo isso porque por mais que os esforços de Selznick em sua homenagem a Méliès mereçam reconhecimento, Scorsese consegue traduzir isso em imagem e nada melhor do que o cinema de um dos diretores mais geniais da contemporaneidade para falar sobre o próprio cinema.

O diretor também foi muito feliz na escalação de Asa Butterfield para o protagonista Hugo Cabret. Butterfield é simplesmente encantador, demonstrando sensibilidade e e maturidade na condução da história. Não há como não se enternecer com o personagem diante da expressividade do olhar de Butterfield, o garoto é apaixonante. Também está muito bem Chloe Grace Moretz, a menina que todos conheceram como Hitgirl em Kick-Ass - Quebrando Tudo, interpretando a esperta e curiosa Isabelle. Na ala adulta, o filme ainda conta com Sacha Baron Cohen, impagável como o inspetor que vive para perseguir garotos órfãos na estação para enviá-los a orfanatos, Jude Law, Emily Mortimer, Frances de La Tour, Richard Griffiths, Ray Winstone, Christopher Lee e Helen McCrory. Mas claro que em meio a estas participações o maior destaque é Ben Kingsley, formidável como o amargo e desiludido Georges Méliès.

A Invenção de Hugo Cabret é um film múltiplo, como todos os bons filmes devem ser. A nova obra da carreira do mestre Scorsese é uma homenagem ao cineasta Georges Méliès, uma comovente história sobre um garoto que deseja aplacar a solidão, um conto sobre pessoas tentando encontrar um lugar no mundo e uma carta de amor ao cinema por um dos maiores entusiastas da sétima arte, Martin Scorsese. Estamos diante de uma obra que redefiniu os rumos da carreira e Scorsese e que sintetiza porque é importante conservar e preservar a sensação de pertencimento diante de todas as intempéries da vida. A Invenção de Hugo Cabret é um conto sobre pessoas extraordinárias que iluminam a vida das outras e inspiram nossas trajetórias. Como foi George Méliès para o pai de Hugo, Hugo Cabret para o próprio Méliès e Martin Scorsese para seus espectadores, desta vez maravilhados com o carinhoso A Invenção de Hugo Cabret.




Hugo, 2011. Dir.: Martin Scorsese. Roteiro: John Logan. Elenco: Asa Butterfield, Ben Kingsley, Chloe Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, Jude Law, Helen McCrory, Christopher Lee, Frances de la Tour, Emily Mortimer, Ray Winstone, Michael Stuhlbargh, Richard Griffiths. 126 min. Paramount.

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Chovendo Sapos: A Invenção de Hugo Cabret
A Invenção de Hugo Cabret
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