Gente como a gente

Meryl Streep e Tommy Lee Jones mostram sinergia em Um Divã para Dois, comédia sobre a retomada da vida sexual na terceira idade


A queixa é frequente e procede. São cada vez menores as oportunidades de se retratar na tela os conflitos da maturidade. Um Divã para Dois tem ecos de Alguém tem que Ceder, comédia de Nancy Meyers de 2003, protagonizada por Diane Keaton e Jack Nicholson, trazendo como enfoque a retomada da vida sexual na terceira idade. Mas o filme de David Frankel é bem mais convincente e eficaz em seus propósitos que o filme de Meyers, contando com os talentos de Meryl Streep e Tommy Lee Jones, incríveis em cena.

O longa, dirigido por David Frankel, de O Diabo veste Prada e Marley e Eu, é muito simpático e evita qualquer obviedade com marcações típicas das comédias. Mais, o filme não cai na tentação de ridicularizar seus personagens em função da situação que ambos têm que lidar. Óbvio que as tentativas da dupla de quebrar o gelo sexual, reestabelecendo laços afetivos, geram situações engraçadas, mas elas servem para reforçar a credibilidade das situações vividas e não para estabelecer estereótipos ou apelar para a vulgaridade. Ou seja, saimos no lucro.

Um Divã para Dois começa quando Kay, personagem de Streep, uma mulher que vive há anos sob o mesmo teto que Arnold, um contador vivido por Tommy Lee Jones, cai em si e percebe que seu casamento já não é o mesmo de antes. Com filhos criados, Kay e Arnold dormem em quartos separados, não trocam carinhos ou palavras afetuosas e já não têm uma relação sexual há anos. Quando Kay descobre a existência de um terapeuta sexual que promete solucionar os problemas conjugais de qualquer casamento em crise, ela não pensa duas vezes e consegue, a duras penas, convencer Arnold a submeter seu matrimônio a uma terapia de casal intensiva. Com o passar das sessões, Kay e Arnold começam a se redescobrir como homem e mulher, quebrando os pudores e a repressão sexual que eles mesmos estabeleceram com anos e anos de casamento.


O grande "barato" de Um Divã para Dois está no tratamento que o tema recebe dos responsáveis por sua narrativa. O filme também funciona muito bem porque tudo segue com bom gosto, sem que o desenvolvimento de sua dupla de protagonistas seja afetado pela bandeira da "melhor idade". Kay e Arnold são figuras extremamente simples e fáceis de se tornarem reflexos dos espectadores. A maior parte das pessoas têm problemas com relação ao sexo, por mais que se fale cada vez mais sobre o assunto e as pessoas pareçam cada vez mais livres de qualquer pudor. Ainda há muita coisa silenciada e o que é pior, muita coisa silenciada entre os casais. E aqui chegamos a Kay e Arnold e a maravilhosa empatia que eles provocam no espectador desde o primeiro instante em que surgem na tela. Com todas as suas diferenças e a semelhança de não conseguirem expressar seus sentimentos, o casal de protagonistas é palpável e seu desabrochar é construído com cuidado e respeito, tornando o longa um daqueles casos deliciosos e particulares de filmes que conseguem dialogar em diversas frentes.

Para que o fator "humano" tenha êxito foi fundamental para Frankel contar com a dupla central: Meryl Streep e Tommy Lee Jones. Meryl mais uma vez consegue mostrar porque é uma das atrizes mais incríveis de sua geração. Não há qualquer detalhe, o mínimo que seja, de Kay que escape ao trabalho de composição da atriz. Desde a sua insegurança, sempre pedindo a opinião alheia sobre o assunto mais banal (um prato no cardápio do restaurante, por exemplo), ao desconforto por sua submissão a Arnold e por sempre se esquivar de qualquer confronto, já que sempre cede às vontades do esposo. Jones, por sua vez, dá vida ao rabugento Arnold, um tipo recorrente em sua carreira, mas que ganha contornos mais sensíveis ao demonstrar a devoção e o amor que tem por sua esposa, comprometendo-se a ultrapassar barreiras intransponíveis para um homem intransigente, machista e nada delicado. Steve Carell faz uma participação afetiva como o analista da dupla, mediando não um duelo de interpretações entre Streep e Jones, mas uma evidente parceria da dupla de protagonistas. 


David Frankel faz com Um Divã para Dois um tipo de comédia que deveria ser feita com mais frequência. O tipo de comédia que não apela para baixarias, escatologias e que não se autodeclara como um manual para a misoginia. Um filme que fala sobre afeto e sobre pessoas tentando superar suas próprias limitações em prol de tornarem-se melhor para quem mais amam. Quem dera se existissem mais David Frankels por ai e menos Adam Sandlers e Bruno Mazzeos. Infelizmente é uma média que dificilmente será alcançada. Em todo caso, é animador que um filme como esse seja feito em Hollywood, comprovando que dentro do circuito comercial ainda existe um nicho inteligente e sensível. Mas há que se falar: Um Divã para Dois ganha muito com os empenhos de Meryl Streep e Tommy Lee Jones, que nos apresentam a figuras de carne e osso. 



Hope Springs, 2012. Dir.: David Frankel. Roteiro: Vanessa Taylor. Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carell, Elizabeth Shue, Mimi Rogers, Jean Smart, Ben Rappaport, Marin Ireland, Patch Darragh, Brett Rice, Becky Ann Backer. 100 min. Imagem Filmes.

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Chovendo Sapos: Gente como a gente
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