Equilíbrio na balança

Anunciado como o último trabalho de Steven Soderbergh nos cinemas, Terapia de Risco é um thriller que não abre mão do seu teor autoral


Em 2011, o cineasta Steven Soderbergh, vencedor da Palma de Ouro por Sexo, Mentiras e Videotape e do Oscar por Traffic, anunciou aos veículos de comunicação dos EUA sua aposentadoria. O diretor, que praticamente inaugurou o cinema autoral independente norte-americano juntamente com Quentin Tarantino no início da década de 90 e que sempre manteve a produção regular, e difícil de ser alcançada, de um filme por ano, deixaria o cinema. O motivo? Soderbergh simplesmente queria mudar de ares, testar sua veia artística em outra área, as artes plásticas. Se o diretor manterá sua decisão e não nos "surpreenderá" com um retorno relâmpago ainda é incerto afirmar. Por ora, o último trabalho dele nas telonas é Terapia de Risco (Soderbergh ainda tem Behind the Candelabra, telefilme da HBO com Michael Douglas e Matt Damon que passará ainda neste ano no canal).

Roteirizado pelo mesmo Scott Z. Burns que foi responsável pelo roteiro de Contágio, filme de 2011 de Soderbergh que tratava sobre as origens e desdobramentos de uma epidemia nos moldes da gripe aviária, Terapia de Risco aborda a crescente indústria farmacêutica da depressão. Com a roupagem de um thriller, cheio de teorias conspiratórias e reviravoltas de prender o fôlego, Terapia de Risco põe o dedo na ferida sem maiores alardes, sensacionalismo. O longa acompanha a vida de uma jovem depressiva chamada Emily que tenta colocar a vida em ordem após seu marido sair da prisão. Emily acaba no consultório do Dr. Jonathan Banks, que passa a lhe receitar medicamentos para que ela consiga lidar melhor com seus próprios conflitos. No entanto, a paciente acaba cometendo um ato impensado após consumir altas doses de um dos medicamentos e o caso acaba tomando proporções inimagináveis, sendo levado até ao tribunal, onde é questionada a postura profissional do médico.

Sabiamente, Burns e Soderbergh deixam claro desde o primeiro instante que a origem de toda a celeuma não está propriamente no medicamento ou no uso dele. Terapia de Risco condena em seu discurso a recomendação clínica de medicamentos sem responsabilidade e ética pelos profissionais. Assim, o problema não está na substância em si, mas sim na postura do profissional que poderá decidir por servir ao seu cliente ou por servir aos interesses financeiros de um laboratório. Soderbergh tem consciência do alcance de voz que sua obra pode ter, ele e seu roteirista evitam ser engolidos pelo natural e necessário teor conspiratório da trama de Terapia de Risco e apontam os verdadeiros culpados do consumo desproporcional desses medicamentos.

Não deixa de ser uma pena que Soderbergh se despeça do cinema. Principalmente porque agora o diretor finalmente conseguiu aliar o entretenimento com sua veia autoral. Soderbergh sempre foi extremo e por vezes distante da audiência. Assim, seus trabalhos resultaram em filmes pedantes, como Che ou Confissões de uma Garota de Programa, ou passatempos frívolos e fetichistas em virtude do elenco estelar que sempre conseguiu atrair, o caso das duas sequências de Onze Homens e um Segredo. Desde 2011, Soderbergh conseguiu conceber filmes inteligentes, fluidos e capazes de manterem-se fieis à assinatura do diretor. Desta safra vieram Contágio, À Toda Prova e Magic Mike. Terapia de Risco encerra a lista como um filme que se mantém em seu ritmo e tem coerência atmosférica e narrativa.

Nenhum dos personagens é o que aparenta ser e é interessante notar como o elenco administrou a dualidade de cada um deles, revelando através de sutilezas a real natureza de suas personalidades. Rooney Mara mais uma vez personifica com destreza uma típica garota-problema (a atriz viveu a hacker Lisbeth Salander de Millenium - Os Homens que não Amavam as  Mulheres, filme que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor atriz). Desta vez, a origem dos problemas da personagem de Mara é outra e a atriz sabe bem definir os limites entre este trabalho e seu personagem anterior. Igualmente interessante, Jude Law interpreta o psiquiatra da protagonista, um trabalho que equipara-se por excelência a recentes trabalhos do ator, me refiro a Anna Karenina e Contágio. Law confere ao personagem uma retidão de caráter inabalável. No entanto, quem surpreende mesmo é Catherine Zeta-Jones. A atriz dá vida à antiga psiquiatra de Emily, uma mulher que aos poucos revela todas as suas verdadeiras intenções sobre o caso. Com o tom de voz sempre sereno e persuasivo, Zeta-Jones tem uma presença cênica aqui como há anos não se via. Já Channing Tatum tem uma pequena e correta participação no longa.

Eficiente como realizador de thrillers eminentemente cerebrais, Steven Soderbergh tira Terapia de Risco do lugar comum e do discurso panfletário, preconceituoso e tendencioso contra o tratamento psiquiátrico, na verdade, nem tem a pretensão de lançar bandeiras, mas sim de mexer com a engrenagem crebral das plateias e lançar questionamentos sobre o tema que serve de pano de fundo para a trama. Na parceria com o roteirista Scott Z. Burns, o diretor, perdido em sua própria linguagem narrativa após Erin Brokovich e Traffic, parece ter encontrado a dosagem certa na tentativa de conseguir dialogar com todos os públicos, tornando seus filmes mercadologicamente atraentes, sem abrir mão de seu compromisso como artista. Se Terapia de Risco for realmente a despedida de Soderbergh, seria o caso dele repensar sua decisão. Fico imaginando o que mais ele poderia oferecer para nós nesse interessante e novo caminho que ele encontrou para contar suas histórias.



Side Effects, 2013. Dir.: Steven Soderbergh. Roteiro: Scott Z. Burns. Elenco: Jude Law, Rooney Mara, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum, Vinessa Shaw, Ann Dowd, Mamie Gummer, Mitchell Michaliszyn, Scott Shepherd, Michelle Vergara Moore. 106 min. Diamonds Filmes.

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Chovendo Sapos: Equilíbrio na balança
Equilíbrio na balança
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