Crítica: O Mordomo da Casa Branca


Por alguns breves meses, quando ainda estava em fase de pré-produção, duvidava que O Mordomo da Casa Branca fosse render um filme de peso em algum nível. A trama evocava toda sorte de indicações a prêmios e existia muita estrela em seu cast, o suficiente para causar muitos problemas no set. Para completar, no comando, Lee Daniels, um diretor conhecido por seu estilo de extremos, com inclinações a decisões desarmônicas, que transformaram um drama heavy como Preciosa, em um longa ocasionalmente divertido. Este estilo de Daniels pode até ter funcionado em Obsessão, por exemplo, filme que comentamos semana passada, já que ali era evidente que tudo fazia parte da proposta. O Mordomo da Casa Branca, por sua vez, inspira sobriedade, um tom que sempre duvidei que o diretor conseguisse sustentar. O fato é que o filme tem alguns traços característicos de Daniels e derrapa ocasionalmente, sobretudo quando flerta com o melodrama, mas mantém-se firme sobretudo pela capacidade ímpar que o diretor tem de conduzir seu sempre inusitado elenco. Há performances que colocam o longa em outro nível e nos faz esquecer de qualquer tique do realizador.
 
O Mordomo da Casa Branca traz para as telas os anos de serviço de Cecil Gaines como mordomo na Casa Branca. Somando todos os governos e suas reeleições, Gaines trabalhou para oito diferentes presidentes, entre eles Dwight Eisenhower, Richard Nixon, John Kennedy, Lyndon Johnson e Ronald Reagan. A dedicação de Gaines ao seu trabalho o torna uma figura ausente em sua própria casa e cria conflitos com o filho mais velho do mordomo, que acaba envolvendo-se com a luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
 
O filme de Lee Daniels é mais interessante quando ambienta seu drama na família Gaines, bem mais do que quando nos apresenta as sucessões presidenciais na Casa Branca e aproveita o momento para realizar seu desfile suntuoso de grandes nomes interpretando... grandes nomes. O fato é que as tensões ocasionadas pelos posicionamentos ideológicos de Gaines e seu filho ocupam o cerne de discussão mais interessante do longa, fazendo-os lutarem por uma mesma causa, mas de maneiras diferentes, o que não é entendido por nenhuma das partes envolvidas. Louis questiona a "passividade" do pai e considera seu trabalho uma subserviência ao grupo opressor da comunidade negra, os brancos, Gaines, por sua vez, acredita que só o fato de ser um negro trabalhando na Casa Branca já contribui para transformações, que, em sua percepção, são pequenas e, por vezes imperceptíveis. Nesta batalha familiar, Gloria surge como o elo mais frágil e neutro tentando lidar com a ausência do marido e com a distância e as incertezas sobre o paradeiro do filho, sempre envolvido com a causa. Este núcleo dramático me parece o mais precioso em O Mordomo da Casa Branca e ainda bem que Daniels não perdeu-se no meio de tantas distrações que os demais personagens acabam representando ocasionalmente no filme (difícil não olhar para Jane Fonda como Nancy Reagan e não pensar em Jane Fonda se passando por Nancy Reagan, entendem?).
 
Assim, o trio formado por Forest Whitaker, Oprah Winfrey e David Oyelowo sustenta o longa durante toda a projeção. Forest Whitaker está extraordinário no retrato do protagonista ao longo de décadas, uma interpretação repleta de consciência corporal e, ao mesmo tempo, singela em pequenos sinais que revelam por completo a personalidade de um homem cheio de dignidade e com um senso de responsabilidade incomensurável. Whitaker é a grande razão do filme existir e faz por onde através de um desempenho cortante e profundamente dedicado, sem soar over em momentos cruciais, como nas passagens em que o personagem alcança uma certa idade ou nas discussões que trava com o filho Louis. Igualmente marcante é a interpretação de Oprah Winfrey, mostrando que os anos longe do cinema não enferrujaram seu talento para as artes dramáticas. Como Gloria, Oprah nos apresenta uma mulher dedicada à família, ao casamento e que passa a desenvolver uma carência afetiva a partir do momento em que Gaines começa a trabalhar na Casa Branca. A solidão de Gloria é compensada com muito cigarro e, principalmente, bebida. O mais exitoso na performance de Winfrey é que ela administra com muita sutileza o drama da sua personagem, evitando o estereótipo da mulher alcoólatra e queixosa com o marido. Por fim, David Oyelowo tem algumas das melhores cenas do longa com Whitaker, carregando em sua expressão uma revolta crescente à discriminação e estado de segregação racial no país. Louis é pura ideologia, tendo muito pouco tempo para preocupar-se com os sentimentos dos seus pais, algo que lhe vêm à consciência momentaneamente.
 
Perto dos três, um grupo de grandes atores que vai de Vanessa Redgrave a Jane Fonda, chegando ainda a Robin Williams, Alan Rickman e John Cusack, passam praticamente despercebidos na tela. O Mordomo da Casa Branca pode até inclinar-se momentaneamente para o melodrama, abordagem que Lee Daniels parece perseguir trabalho após trabalho, mas a força de seu grupo de atores, principalmente o trio central, fala mais alto. Com este filme, o realizador e seu elenco conseguem trazer para o público um trabalho tão edificante e representativo que qualquer nota fora de tom, uma rotina na carreira do diretor, é esquecida. Assim, O Mordomo da Casa Branca passa longe do tom panfletário a favor da causa negra, o filme tem uma causa naturalmente humanitária, sobretudo por lembrar-nos do valor da batalha diária, tijolo a tijolo.

 
 
The Butler, 2013. Dir.: Lee Daniels. Roteiro: Danny Strong. Elenco: Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Oyelowo, Cuba Gooding Jr. Lenny Kravitz, Clarence Williams III, Terrence Howard, Robin Williams, John Cusack, James Marsden, Alex Pettyfer, Mariah Carey, Alan Rickman, Liev Schreiber, Vanessa Redgrave, Jane Fonda. 132 min, Diamond Filmes.

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Chovendo Sapos: Crítica: O Mordomo da Casa Branca
Crítica: O Mordomo da Casa Branca
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