(Crítica) 'Ben-Hur' é um remake preguiçoso e frio do clássico de 1959


Clássico de 1959 e vencedor de 11 Oscars, Ben-Hur ganhou um remake anabolizado para a geração do 3D, dirigido pelo russo Timur Bekmambetov, de filmes como O Procurado, com Angelina Jolie e James McAvoy, e Guardiões da Noite, longa de fantasia moderninho que o revelou para o mundo. Estabelecer paralelos entre o clássico Ben-Hur com esta versão chega a ser uma covardia, nem que Bekmambetov se esforçasse conseguiria retirar do seu filme a sombra da importância histórica do longa de William Wyler estrelado por Charlton Heston. Além disso, a história de Judah Ben-Hur precede o próprio filme de 1959, sendo baseada no romance de Lew Wallace e é nessa fonte que o filme de Bekmambetov parece se basear, ainda que pálida e tropegamente.

Ben-Hur de 2016 não apresenta um único propósito revisionista, nem mesmo do ponto de vista técnico, que justifique a sua realização. Ou seja, nasceu para ser produto de segunda, terceira, quarta linha.  Tal hipótese se comprova no que vemos na tela, um filme que demonstra em todos os seus departamentos a preguiça dos seus realizadores na condução da história e o artificialismo que contamina todo o longa. De efeitos especiais altamente genéricos à costura insossa das relações dos seus personagens, algo que prejudica qualquer possível interesse e envolvimento do espectador pelo filme e pelo seu "material humano", Ben-Hur não se sustenta nem cativa o espectador por nenhuma das suas frentes. No saldo, acaba mostrando-se como uma experiência nula.

O Ben-Hur de Timur Bekmambetov é claramente uma encomenda industrial do seu estúdio. Não há o menor vestígio de um realizador apaixonado por sua história e por seus personagens ao longo de todo o filme. O desinteresse de Bekmambetov por aquele universo é evidente e se materializa na frieza e displicência com que o realizador desenvolve a sua trama e os seus personagens principais, todos marcados por motivações e sentimentos mecânicos, que são ditos, mas não são sentidos na tela ou construídos gradualmente pela sua trama. O conflito central do filme vivido por Judah e Messala é desenhado com base em uma oposição de condutas que nesta versão não é costurada a contento. Para piorar, a escalação dos atores que vivem ambos também é equivocada. Jack Huston está longe de conseguir imprimir o ar de nobreza e a imposição de um porte físico e de uma postura necessária ao herói da trama e Toby Kebbell não consegue encontrar um norte na sua composição para o "vilão" Messala. Aos dois, o público reage com indiferença, o que é problemático tendo em vista que ambos são figuras importantes para a história. O tão alardeado Jesus Cristo de Rodrigo Santoro não faz muito em cena e Morgan Freeman... Bom, sobre esse, trataremos mais adiante.

O roteiro de Keith R. Clarke e John Ridley também não ajuda o filme a superar a apatia de Bekmambetov e dos seus protagonistas. Há uma série de alterações que os roteiristas fazem na trama original que não depõem a favor do filme, pelo contrário, sublinham a sua fragilidade. A principal delas diz respeito ao acidente que desencadeia a jornada de Judah, convertido aqui em um estranho atentado criminoso, tornando inócua toda a construção do Ben-Hur como um homem injustiçado em busca de vingança. O mesmo pode ser dito do episódio em que Judah salva um personagem importante na história original e que aqui é completamente omitido em prol da atribuição de uma importância mais acentuada a Ilderim, vivido por Morgan Freeman. E aqui, chegamos ao "puxão de orelha" no ator vencedor do Oscar por Menina de Ouro (ator coadjuvante) e nos diretores de elenco do cinemão norte-americano. Hollywood parece não cansar de incumbir ao ator o papel de mentor/narrador no cinema, se assemelhando à falta de criatividade que é a escalação de Christoph Waltz como vilão (Besouro Verde, Água para Elefantes007 contra Spectre ou A Lenda de Tarzan) após o seu sucesso como Hans Landa em Bastardos Inglórios, por exemplo.

Em meio a todos esses tropeços, vistos em filmes que apresentam propósitos semelhantes aos seus, Ben-Hur não consegue nem mesmo ser uma fita divertida que ponha em relevo o prazer dos seus envolvidos de estarem fazendo parte de algo tão icônico para o cinema quanto a jornada heroica de Judah Ben-Hur, que aprendemos a admirar através da presença de Charlton Heston em cena. Não chega a ser um filme que nos desperte a ira por estar assistindo a um título repleto de tropeços, é simplesmente um filme ruim que apresenta o potencial de causar no espectador a mesma indiferença que parece ter governado o trabalho de todos os seus envolvidos. Quer um favor a si mesmo? Assista ao Ben-Hur de 1959. Não porque veio antes desse de 2016 ou porque "remakes são sempre ruins" (o que não acredito), mas porque aquele filme tem muito mais pulso e paixão e foi realizado com muito mais esmero do que esta versão que está chegando aos cinemas.


Ben-Hur, 2016. Dir.: Timur Bekmambetov. Roteiro: Keith R. Clarke e John Ridley. Elenco: Jack Huston, Toby Kebbell, Morgan Freeman, Rodrigo Santoro, Nazanin Boniadi, Ayelet Zurer, Pilou Azbaek, Sofia Black-D'Elia, Marwan Kenzari, Moises Arias, James Cosmo. Paramount, 124 min.

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(Crítica) 'Ben-Hur' é um remake preguiçoso e frio do clássico de 1959
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